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APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Um tema, uma Escola, um Encontro

Niraldo de Oliveira Santos
Membro da EBP/AMP
Diretor do XXV EBCF
The Waiting. Lucio Fontana fotografado por Ugo Mulas, em 1964.

Nos dias 08, 09 e 10 de novembro deste ano, São Paulo será a capital brasileira da psicanálise de orientação lacaniana[1]. Nós, da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) – Seção São Paulo, como anfitriões, não conseguimos segurar nossa alegria; e nossa expectativa também.

Por isso, inicio agradecendo à Patricia Badari – Diretora da Escola Brasileira de Psicanálise e Presidente deste Encontro, e sua diretoria; e à Maria do Carmo Dias Batista, Presidente do Conselho da EBP, junto aos demais conselheiros, por terem escolhido a cidade de São Paulo para sediar o XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, com o tema “Os corpos aprisionados pelo discurso …e seus restos”.

Convidamos vocês para esse evento, que será exclusivamente presencial, e que ocorrerá aqui, na cidade mais populosa de todo o hemisfério sul! São Paulo é de várias tribos, é cheia de sotaques, é polifônica. Pan-Américas de Áfricas utópicas. Novo Quilombo de Zumbi. É também a cidade que abriga inúmeros brasileiros e estrangeiros vindos das mais diversas partes. Acolhe a maior comunidade japonesa fora do Japão, a maior comunidade italiana fora da Itália e a maior comunidade coreana fora da Coreia. Aqui, os grafites gritam as vozes dos artistas, mas também as dos excluídos. Amuros, amores e muros e gozos pixados por toda parte. Ou também, como Lacan nos disse, amuro que aparece em signos bizarros no corpo[2]; corpos que são suporte dos discursos, com seus sentidos radicais[3].

O lançamento desse Encontro aqui, na Biblioteca Mário de Andrade, lugar que para nós é tão emblemático, acontece no mesmo mês em que vemos três estados brasileiros, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, recolherem das escolas o livro “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório. A Secretaria de Educação do Estado do Paraná justificou a censura alegando possuir “conteúdos impróprios”. A obra, que faz parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) desde 2022, foi ganhadora do principal prêmio literário brasileiro – o Jabuti – e tem como principais temas as questões identitárias, o racismo e a violência. Antes de ser ordenado o recolhimento dos exemplares, “O avesso da pele” foi alvo de críticas por uma deputada federal de oposição, que havia publicado em rede social o comentário: “O Ministério da Educação distribuiu para instituições de ensino públicas um livro que contém trechos com descrições explícitas de atos sexuais”. Após esses acontecimentos, o livro teve um aumento de vendas em mais de 1400%.

Christiane Alberti, no texto apresentado na abertura do Fórum Zadig/Doces&Bárbaros – A liberdade de expressão e o neofascismo[4], realizado em Florianópolis em 2022, nos disse: “Em um compartilhamento dos territórios um pouco ingênuo, poder-se-ia pensar que a psicanálise só se ocupa do sofrimento privado e que esse sofrimento não deve nada às condições sociais, nem ao contexto da civilização. Não é de modo algum a concepção da orientação lacaniana! Pelo contrário, os psicanalistas sabem a que ponto as formas que os sofrimentos assumem hoje dependem dos discursos que dominam nossa civilização”. Tanto esses fatos recentes quanto as palavras de Christiane Alberti só nos mostram o quão importante é nosso tema de trabalho para esse Encontro. Como vocês logo constatarão na apresentação do argumento, episteme, clínica e política formam uma tríade fundamental em nosso programa que empreende uma aposta no discurso psicanalítico e no falasser.

Como o falasser, com seu corpo/gozo, pode entrar em cena produzindo efeitos no mundo que não sejam marcados nem pelo ideal de harmonia, nem pela iteração da pulsão de morte? Como entrar com o corpo de uma boa maneira, sem eliminar as diferenças? Éric Laurent nos apresenta o falasser político[5] como portando, em si mesmo, a capacidade de fazer frente à segregação e à biopolítica, tão marcantes em nossos tempos.

Para fazer acontecer esse Encontro, contamos com uma equipe de mais de 90 colegas entusiasmados. Como teremos um vídeo apresentando a composição das comissões, citarei os coordenadores: Alessandra Pecego e Rômulo Ferreira da Silva, na Coordenação Geral; Camila Popadiuk e Paula Legey, Comissão de Acolhimento; Cinthia Busato e Isabel Duarte, Comissão de Arte e Cultura; Gustavo Menezes e Renata Martinez, Comissão de Boletim; Luiz Fernando Carrijo da Cunha e Mirmila Musse, Comissão Científica; Cristiane Barreto e Jaqueline Coelho, Comissão de Divulgação e Mídias; Paula Carvalho e Veridiana de Barros, Comissão de Festa; Camila Colás e Daniela Affonso, Comissão de Infraestrutura; Gustavo Ramos e Jovita Lima, Comissão de Livraria; Margarida Assad e Maricia Ciscato, Comissão de Referências Bibliográficas; Élida Biasoli e Rogério Barros, Comissão de Site; Andréa Reis e Cristiana Gallo, Comissão de Tesouraria e Secretaria; e Paola Salinas e Luciana Lopes, Comissão de Tradução. A todos vocês, que aceitaram nossos convites, nosso muito obrigado, desde já!

Agradecemos também a Mauro de Souza, pela criação da identidade visual; a Thomaz Cunha, pela produção dos vídeos apresentados nesta atividade de abertura; a Luiz Fernando, por ter cedido a voz para a locução do poema “Inspiração”, de Mário de Andrade. A Bruno Sena, pela confecção do site e todo o material de divulgação. À Alice Evangelista, secretária da EBP.

“Coda”, tal como Jacques-Alain Miller nomeou o bloco das duas últimas lições do Seminário 19, será o nome do nosso boletim. Utilizada na música, coda (que significa “cauda”, em italiano) é a seção com que se termina uma música, onde o compositor/arranjador poderá ou não utilizar ideias musicais já apresentadas ao longo da composição, marcando um ritmo, uma escansão. Está, portanto, em total sintonia com a identidade visual do nosso Encontro, com o que dos discursos ressoam nos corpos. O primeiro número, contendo o argumento, os textos desta abertura e as informações sobre as inscrições, será lançado logo mais.

Faremos ressoar a língua portuguesa; ou seria melhor dizer o português brasileiro? Ou simplesmente o brasileiro, o brasileirês[6]? Pois que ressoe essa nossa “lingualeite”, significante que deliciosamente Carolina Koretzky[7] garimpou de Hélène Cixous.

E como falei de música, para encerrar, destaco uma passagem do livro “O mundo não é chato”, de Caetano Veloso:

Quando saímos do Brasil em 1969 rumo ao exílio em Londres, passamos antes por Portugal. Meu amigo Roberto Pinho me pediu que o acompanhasse até Sesimbra, onde ele tinha um encontro com um senhor português (que) era tido como alquimista. (…) A certa altura, Roberto pediu que eu cantasse “Tropicália” para o alquimista ouvir. (…) Ao final, este me olhou com uma expressão exultante e (…) apresentou a mais insólita interpretação de “Tropicália” de que eu já tivera notícia. Tudo na letra era tomado à letra e valorado positivamente. “Eu organizo o movimento”, por exemplo, significava que, não necessariamente eu, mas alguma força que podia dizer “eu” através de mim, organizava um importante movimento, e “inauguro o monumento no Planalto Central do país” era clara e meramente uma referência a Brasília como realização da profecia de D. Bosco. (…) Eu não era inocente do fato de que toda paródia de patriotismo é uma forma de patriotismo assim mesmo – não eu, o tropicalista, aquele que antes ama o que satiriza.[8]

Pois bem… advertidos disso, ou seja, “Que se diga fica esquecido por trás do que se diz em o que se ouve”[9], contamos com todos vocês para a organização e participação neste movimento lacaniano de elaboração em torno do nosso tema.

[1] Texto apresentado na atividade de lançamento do XXV EBCF na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, no dia 9 de março de 2024.

[2] LACAN, J. (1972-1973) O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 12.

[3] LACAN, J. (1971-1972) O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 219.

[4] ALBERTI, C. “Liberdade de expressão – a linguagem concreta do inconsciente”. In: Correio: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. São Paulo: EBP, n. 88, outubro/novembro 2022, p. 199.

[5] LAURENT, É. O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.

[6] GALINDO, C. Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 206.

[7] KORETZKY, C. O despertar: dormir, sonhar, acordar talvez. Belo Horizonte: Autêntica, 2023, p. 13.

[8] VELOSO, C. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das letras, 2005, p. 52-53.

[9] LACAN, J. “O aturdito”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448.

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