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A parte que me cabe…[1]

(Notas sobre o último ensino e a clínica psicanalítica)

Marcus André Vieira (AME da EBP/AMP)

De Uns[2]

Parece anacrônico promover o Um, como faz Lacan no Seminário 19, quando estamos banhados, hoje, em ampla idealização do múltiplo, das múltiplas tribos, sexualidades, identidades. Tudo o que é plural e diverso parece superior ao que é unitário e geral.

A multiplicidade, tão idealizada em nossos dias, torna-se apenas enxame, quando não guerra de tribos, se não estiver em relação com algum modo de coesão e coerência que lhe confira um mínimo de unidade. Então, mais que nunca, esse seminário é atual. Resta delimitar do que ele trata quando fala em Um.

Em primeiro lugar, vamos ao que não é o Um de que fala Lacan nesse seminário.

Não é o Um da exceção, o um dito patriarcal. Este, é vazio. A exceção, seja o rei ou o papa, não faz parte do conjunto e, nesse conjunto, ela é um ponto-cego, um furo – tal como Freud dramatizou em Totem e Tabu. Quando um coletivo se estabelece desse modo é porque o pai já morreu e só se apresenta como fantasma. É o poder da cadeira vazia do fundador.

Essa estrutura do discurso do mestre está presente nos laços patriarcais – desde que não se confunda patriarcado com autoritarismo puro e simples, do tirano, ou do chefe obsceno de seita. Muitas vezes, porém, nos balizamos pelo mestre, esquecendo o quanto o poder da exceção está combalido. Desse modo, nos limitamos, como disse Caetano, a atirar pedras amanhã no velhinho que morreu ontem. Sabemos que o mestre contemporâneo não é mais este, mas, sim, o capital. Ora, o mercado não se organiza em torno de subordinação à exceção alguma. Nada se excetua ao ilimitado do mercado, ninguém o governa, nem mesmo a tal “Faria Lima”.

O Um na análise não é tampouco o Um da paranoia que cresce exponencialmente quando se evapora o Um do mestre. É quase impossível viver coletivamente sem alguma unidade. O Um paranoico vem, então, desempenhar esse papel. É o Um do inimigo designado, corporificado, contra o qual todos devemos lutar; se não há inimigo, inventa-se um. Disso, temos tido grande amostra nos últimos anos, mas é bom lembrar que o Um paranoico não é apenas o do ódio, pode ser o do amor louco, a erotomania do ídolo, por exemplo.

O termo de J. A. Miller para resumir a generalização desse Um imaginário, de um imaginário rígido – onde entram não apenas o da paranoia, como também as identificações excessivamente rígidas de hoje –, é perfeito: o Um-dividualismo contemporâneo.

Do Um e da análise

Em uma análise, há um evidente Um. É a unidade corporal, a unidade do narcisismo em consonância com a consciência e com o eu, descrita por Lacan no “Estádio do espelho…”, em sua estrutura e sua formação. Mais uma vez, o Um visado por Lacan em seu último ensino, não é este.

O Um em questão só se apresenta em um plano paradoxal, pouco “pé-no-chão”. Como denominar este plano? Proponho o modo como Miller o descreveu certa vez: Aquém do recalque. Aquém, ou seja, anterior à instauração do Um edípico, da exceção como furo, que é o poder da castração generalizada, que sustenta a tensão dialética entre o Um da consciência e o múltiplo do inconsciente.[3] Este plano, o de um gozo opaco, será acessado por Lacan, longe de qualquer negatividade, a partir dos empréstimos por ele feitos junto àquilo que a teoria dos conjuntos delimita como Um.

Em nossa comunidade, falamos em campo Uniano e em Um do gozo, mas a expressão original e bastante precisa de Lacan é haum [il y a de l’un]; mais uma de tradução impossível, especialmente por conta do uso do partitivo com a preposição de que não usamos no português. Tentamos, na versão brasileira do seminário, escrever haum, tudo junto e com minúsculas, para desvalorizar o Um, para não acreditarmos muito no Um da expressão, mas não pegou. Constato que a cada vez que se diz haum, ouve-se há Um, quase o oposto do que queria Lacan. Ao que tudo indica, somos ainda demasiadamente adoradores do Um. Em francês, seria algo como “um tanto de um”, “um bocado de um”, como se existisse “algo de um” nesse gozo original, um “podendo ser um”, mas não necessariamente já sendo. É algo que existe, mas que, não necessariamente, é coisa que se pega com as mãos.

Chovem questões neste ponto: Como articular a dimensão do corpo aprisionado pelo discurso com a lógica estabelecida pelo Haum? De que corpo e de que discurso estamos falando? Podemos falar em um corpo aquém do imaginário? E podemos falar de um discurso aquém dos quatro discursos? Seria isso o plano mais geral da linguagem? O de lalíngua? [4]

Nossa comunidade vem produzindo as respostas necessárias. Quero apenas enfatizar um ponto específico que me parece importante para toda essa discussão. É o tema da escrita na clínica psicanalítica em sua relação com o haum. Para isso, será preciso um pequeno desvio pela diferença entre o que é uma parte e o que é um elemento de um conjunto, muito utilizada por Lacan neste seminário.

Da parte e do elemento

Estamos habituados a pensar que um conjunto só tem elementos, mas não é necessariamente o caso. Tomemos o conjunto dos presentes numa conferência. O conjunto desse público é o agrupamento formado pelas pessoas presentes, contadas uma a uma. Certo. Basta, porém, estarmos lidando com coisas menos individualizáveis, como tudo o que há nas bolsas dos presentes, por exemplo, para as coisas se complicarem. Elas devem ser incluídas, uma a uma no conjunto dos elementos do público que assiste a conferência? E o que dizer dos sons, os risos, os pigarros? E os sentimentos e as reações afetivas do público? Nada disso parece facilmente contabilizável.

Estamos o tempo todo, analistas, lidando com este tipo de objeto mais-ou-menos-objeto. Pensem no sonho. Há tanta coisa ali imprecisa demais ou mutante demais para que possa ser contada – tanto no sentido de contabilizar, quanto no de contar aos amigos ou à família. Outro exemplo. Alguém, em análise, falava do cheiro da urina da mãe no banheiro. Até podemos tornar o banheiro, a privada, a mãe como elementos, mas o cheiro?

Definiremos, então, esse tipo de objeto como parte da experiência, não um elemento. Diremos, ainda, que há sempre um tanto da experiência que se situa no campo do contabilizável, são seus elementos, mas outro tanto resta no campo do contínuo, do não-enumerável, são partes, fazem parte de uma dada experiência sem que possam ser contadas uma por uma.

Essa distinção, por si só, já é de valia quando queremos abordar a que corresponde o sexual para Freud. Um tanto dele pode ser elemento: as experiências sexuais propriamente ditas, por exemplo. Outro tanto participa de muitas outras experiências apenas como parte e não como elemento. Podemos, assim, dizer que o sexual faz parte do prazer de chuparmos um sorvete ou brincarmos com a lama do jardim, mas não é um de seus elementos.

São dois modos de existência bem ao alcance de nossa experiência quotidiana; pertencer a um coletivo, por exemplo, como um de seus elementos ou fazer parte dele sem ser, nele, contado, como um de seus integrantes.

Do zero e do não-enumerável

A matemática propõe um modo não standard de operar com essa distinção da qual Lacan vai se servir, e isso envolve o Um e o conjunto vazio.[5]

Vamos assumir que a cada conjunto dado, podemos imaginar um subconjunto constituído pelo conjunto de suas partes. Não posso contá-las, mas posso supor sua reunião. Se agrupo, agora, o conjunto dos elementos de um conjunto mais o subconjunto de suas partes, fica evidente que este novo conjunto será necessariamente maior que o primeiro.

Novamente, alguns exemplos para deixar claro que essa nova articulação, entre o conjunto dos elementos e o conjunto dos elementos mais o das partes, não acontece em um abstrato mundo da matemática. O conjunto do que posso contar de um encontro amoroso, por exemplo, sempre parece menor do que foi a experiência. Ela é feita de tudo o que posso contar dela e mais todo o resto que não consigo transmitir. Fica, ainda mais claro, com relação ao gozo. Como contabilizar uma experiência de êxtase? De deslumbramento? E isso vale ainda para a própria experiência sexual: posso sempre contabilizar os orgasmos, mas nunca totalmente o gozo vivido, diferença que o modo de laço discursivo dito “macho” não entende.

A lógica dos conjuntos vai situar, exatamente, com relação a esse excesso do conjunto das partes com relação ao dos elementos, a função do conjunto vazio. De fato, o matemático arranjou um jeito de incluir o gozo que não se contabiliza. Como conjunto vazio. É só dizer: essas partes todas que não posso dizer, que estão em excesso com relação ao conjunto de base, dos elementos, não vou excluí-las ao modo macho – como loucura feminina ou modo paranoico –, nem vou divinizá-las ao modo religioso, vou usá-las, usar seu excesso, me servir dele. Para isso, vou indexá-las em uma representação vazia de sentido, o conjunto vazio. A partir daí, aquilo tudo que era parte passa a se contabilizar no conjunto dos elementos como um ponto, ponto cego, mas ponto, que passa a ser elemento. Como resume Miller: “Quando se contam as partes do conjunto, os subconjuntos, ele [o conjunto vazio] aparece, como por milagre, como um-a-mais”[6].

Do vazio e do excesso

O conjunto vazio, portanto, não é de modo algum nada. Ele será, inclusive, por seu caráter de impreciso excesso com relação ao conjunto dos elementos, a base para estabilizar o que é elemento e o que não é.[7]  Como, porém, somos crentes do vazio, passamos a achar que o conjunto vazio representa uma negatividade essencial, anterior a tudo. Não, ela nasce junto com a contagem! É quando o gozo vira falta e o desejo vira busca.

É esta dimensão de um gozo não contabilizável, mas presente, não vazio, que Lacan resgata em seu último ensino: há “um tanto de Um” ali, Il y a de l’Un.

De quebra, o último ensino nos cura da ideia crente em um grande Um – Um trauma fundamental, Uma origem, Uma percussão, até mesmo da ideia de “Um choque” inaugural do significante sobre O corpo.

O vazio só é furo a partir de uma operação. O conjunto vazio, aqui, é o lugar dessa operação. Ponto de passagem, reversível, encruzilhada. É vazio de ser, de essência, mas situa uma pura existência sem corpo ou forma que pode nos servir, e muito. Essa transmutação da parte em elemento, ou ainda, da passagem do campo dos elementos de uma vida para o Outro gozo que a habita, do gozo fálico ao Outro gozo, é o que está em jogo do começo ao fim em uma análise. Uma análise vai justamente em direção a certo resgate desse gozo Outro, gozo que não o neurótico (da falta e da saudade, da divisão e da perda). Ele traz a experiência de certeza, da vida como existência, presença aqui e agora, que escapa sempre ao sujeito dividido às voltas com seus impossíveis.

Do OMO e do UOM

Vejamos um fragmento clínico para que possamos verificar o mais diretamente possível como esses conceitos nos servem.[8]

É o caso de uma mulher que após muitas idas e vindas de sua análise – com toda a redução que o progresso analítico nos dá, quando as tantas cenas se reduzem a poucos elementos essenciais – chega a duas linhas fundamentais. Muito esquematicamente, a primeira diz respeito ao pai. Ela é filha bastarda de um político importante. Ele teria um passado bastante sujo como corrupto ou colaboracionista na guerra. Ela é uma trabalhadora incansável que, para arrumar as situações, deixava tudo às claras e todo esse gozo vai se resumindo à frase fantasmática de limpar o nome do pai, imaculado, lavar seu nome.

Por outro lado, a segunda linha da geração materna, é feita de uma rejeição por abandono. Um abandono encarnado por uma fragilidade enorme da mãe que aparece como um desfazer-se em situações em que a criança a demandava, incluindo a ruptura da bolsa do parto quando de seu nascimento, “perda das águas” na expressão de sua língua materna. Nesse processo, ela traz uma série de sonhos que apresentam o desejo da mãe como um contínuo líquido, um rio incessante.

Pois bem, ela chega, na análise, a uma montagem dessas duas linhas, um nó. A partir de um sonho com o sabão em pó OMO, ela assume essa palavra bizarra como uma junção que sintetiza sua encruzilhada fundamental, enlaçando ao menos três trilhamentos. O gozo fantasmático, de lavar o nome e de precisar ser fálica num trabalho eterno; o temor do derretimento, do liquefazer-se, que sempre vinha assombrar e perturbar o trabalho insano do primeiro trilhamento e, finalmente, o Um do gozo que, aqui, poderíamos caracterizar como sendo o de um fluir torrencial incessante.

O slogan “OMO, que lava mais branco que o branco”, situa esses aspectos de sua vida e o sinthoma que seguirá, mas, agora, reduzido a essa fórmula OMO e, por isso mesmo, muito mais aberto a novas experiências na liquidez da vida. Nesse sentido, o nó não está desde sempre feito, ele se refaz a cada dia, mal rompe a manhã. Não mais para dizer o real, mas para estabilizar uma ex-sistência singular na vida coletiva, que Lacan chamou de vida do UOM (o qual, mais que o sujeito do desejo, deveria ser oposto ao falasser).[9]

Do resto e do nó

O que é OMO? Um nó. Encruzilhada. Mas é, também, operação sobre o resto. O que é o sabão em pó quando a liquidez da vida passa a ser o gozo principal? Um resto, após ter se evidenciado como mero meio de passagem, conjunto vazio, saco furado, objeto a. Esse lugar é, na teoria lacaniana, o que encarna o objeto a. Com o nó, esse topos se apresenta mais próximo de um movimento de passagem. O resto, aqui, não é mais um resto do gozo Original, mas apenas uma de suas metamorfoses paradoxais, semblant.

Os restos fantasmáticos com que essa mulher sempre lidou – a mancha sobre o nome da família ou o desmaio da mãe e das mulheres – pareciam ser o real, mas isso será transformado, pela entrada em cena do gozo do Um, em coisa qualquer, pó solúvel.

Para concluir, queria chamar atenção para o papel da analogia da experiência analítica com a escrita. Habitualmente, assumimos que uma análise vai reduzindo as memórias a seus traços, marcas, por um lado, e o gozo que nessas marcas se fixou, por outro. A ideia é recompor os traços e “libertar” o gozo, nelas preso.

Agora, estamos supondo, porém, que é possível não agir apenas sobre os traços que nos singularizam, mas rearticular esses traços com as imagens que nos compõem e particularizam e, finalmente, com a vida na qual tudo isso circula.

A escrita que essa operação de enlace nodal compõe, se ela puder ser aproximada de algum gênero, não será a de um texto em prosa, como Lacan inicialmente nos convida a ouvir a fala analisante, mas, sim, poesia, mais especialmente, a poesia concreta. Não mais uma combinatória de letras, mas um nó dessas letras, uma encruzilhada material de sentidos possíveis, como, por exemplo, essa de que gosto tanto, de Arnaldo Antunes: The And.[10]

Nesse aspecto, a escrita não é mais impressão, mas nó. É essa escrita que está em jogo com relação ao Um do gozo. Não mais a escrita que traduz e sempre esbarra em um impossível, mas a escrita que amarra, dá liga, dá pega [ça tient] e põe o impossível do gozo na vida.[11]


[1] Texto redigido para a apresentação na Preparatória da EBP – Seção Rio de Janeiro, para o XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, “Os corpos aprisionados pelos discursos …e seus restos”, com Ana Tereza Groisman e Paula Borsói. Este texto não existiria sem rica conversa prévia com ambas, assim como o trabalho de dez cartéis preparatórios para o evento que nos enviaram suas questões e reflexões e que retomo em parte ao longo do texto.

[2] O título de nosso Encontro põe em cena os corpos, as falas (modos de fala, discursos) que os atravessam (e mais que isso, os constituem) assim como o que resta desse encontro, o que resta de vivente nunca totalmente colonizado, em nosso ser, pelos discursos. É uma articulação mais ou menos conhecida por nós, lacanianos. Ao mesmo tempo, são temas “pé-no-chão”, mundanos. Mas, a escolha do Seminário 19 e deste momento do ensino de Lacan nos leva ao coração do que Miller recortou na continuidade dos seminários e denominou último ensino. Em seus últimos seminários, Lacan introduz toda uma série de conceitos-ferramenta e nenhum deles parece muito “pé no chão”: o nó, o litoral, o sinthoma, a ex-sistência, a pai-versão, lalíngua, o falasser, entre outros neologismos, que pedem para ser mais explorados em seu uso clínico, como ferramentas. Especialmente com relação ao Seminário 19, um destes temas chama a atenção. É o tema do Um – do que em nossa experiência pode sustentar unidade ou não.

[3] “Neste espaço, aquém do recalque, tudo está por ser construído” (Miller, J. A. O ser e o Um [l’Un tout seul], lição de 30/3/2011). Vale lembrar que este aquém é mais uma figura retórica do que um lugar, senão voltaríamos para toda a fantasmagoria primitivista de uma fase pré-edípica.

[4] Segue um apanhado de questões dos dez cartéis com temas relacionados ao XXV Encontro que enviaram questões para esta mesa sem as quais este texto seria impossível. Nestas questões, fica clara a direção geral das investigações de interrogar como operar na clínica a partir do último ensino: Como articulamos a dimensão do corpo aprisionado pelo discurso com a lógica estabelecida pelo Haum? Como lidar com um registro opaco do corpo? Que está ligado ao gozo e não às formas que propõem o Outro do narcisismo (de um corpo com furos por onde circula o desejo?) Como ter acesso ao Outro considerando o Haum?  O discurso, como lugar do Outro, incide em lalíngua ou apenas lalíngua incide no Outro da língua? Como se introduz a dimensão do Um na clínica? Ou, melhor, como se introduz a clínica a esse plano? Pela presença do analista? Pela interpretação? E qual o lugar do inconsciente no campo Uniano, O inconsciente real? Como se apresenta na clínica? Como Haum, o inconciente estaria, então, no lugar da contingência? Mas em cada ressonância do significante não se mantém sempre um elemento do Um original? Não seria isso a iteratividade?  Se no campo do gozo, o Um domina, como situar a transferência? Como se faz a parceria com o analista na atualidade? Como seria a presença da iteração na clínica dos nossos dias? No trabalho de escuta da clínica, na apreensão do que é repetição e iteração, o que é um acontecimento de corpo? Como diferenciar o acontecimento de corpo de um fenômeno de corpo?

[5] Apresento a seguir minha leitura, a mais pé-no-chão possível de um segmento da axiomática de Zermelo-Fraenkel. Para uma exposição dessa axiomática, além do próprio Lacan, cf. o passo a passo de Alain Badiou em “Um, dois, três, quatro, e também o zero”, Para uma nova teoria do sujeito: Conferências brasileiras, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994 (cf. também Badiou, A. O ser e o evento, Rio de Janeiro, JZE, 1996, p. 63 e seguintes).

[6] Miller, J. A. O ser e o Um [l’Un tout seul], lição de 23/3/2011. (inédito)

[7] O gozo a que se refere o subconjunto das partes na base do conjunto vazio, intenso, fundamental, sustenta a contagem estável dos números inteiros, já que o Um como elemento é Um porque não é aquilo tudo. É com relação ao zero que o um como elemento se estabiliza e a seguir, o dois será este um mais um e assim por diante (cf. Miller, J. A. “A sutura”, Miller, J.-A., Matemas II, Buenos Aires, Manantial, 1994. A não ser que se esqueça completamente do “modo parte” de existência e só se consiga ver o mundo sob o modo “elemento” (não é o que acontece hoje quando tudo é dinheiro?).

[8] Blancard, M. H. “O sintoma como carta não-retirada”, Opção Lacaniana, n. 68-69, São Paulo, EBP, 2014. Este testemunho de passe foi sugerido por Andréa Reis a quem agradeço. Deixei o nome próprio da autora apenas nas notas por temer que a autoria ofusque o ato de enlace que é o mais importante, uma vez que o nome Blancard, que remete à brancura e poderia levar a leitura em direção a um “estava escrito”, que é o contrário da ideia da escrita do nós, sempre ligada a um fazer e não apenas a um ler o que já lá estaria (cf. Miller, J. A. “Ler o sintoma”, Opção Lacaniana n° 70, São Paulo, EBP, 2015).

[9] Podemos opor o falasser ao sujeito com relação a momentos diferentes do ensino de Lacan, mas em termos clínicos é bem mais rico opor o falasser ao UOM. Enquanto o primeiro tem um ser (e um corpo) que escapole a cada instante, o segundo traz a possibilidade de enfatizar sua tendência à rigidez, fixada pelo imaginário do um-dividualismo contemporâneo (cf. Lacan, J. “Joyce, o Sintoma”, Outros Escritos, Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 561. Cf. Brousse M. H. Mulheres e discursos, Rio de Janeiro, Contra Capa, 2019, p. 166).

[10] É difícil imaginar o nó como uma nova concepção de escrita, mas é exatamente o que afirma Miller: “só o que sei é que o nó é uma nova forma de escrita”.  Cf. Miller, J. A. “Nota passo a passo”, in: Lacan, J. O Seminário, livro 23, Rio de Janeiro JZE, 2007, p. 213. É uma nova maneira de entender a sobredeterminação freudiana que “formaliza de modo mais radical a essência dos discursos” (cf. o argumento do Encontro por sua comissão científica e Lacan, J. “Os corpos aprisionados pelo discurso”. In: O Seminário, livro 19: …ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, cap. XVI, p. 213 e seguintes. Idem, pp. 216-217. É o que faz o nó borromeano e é o que ensinam os neologismos lacanianos. Eles apostam que quanto menos sentido tem um significante, mais indestrutível ele é, mais encruzilhada de sentidos abertos.

[11] A maneira mais direta que consigo pensar em trazê-la sem cair em explorações topológicas é usando a expressão de Lacan da época “está amarrado” a escrita agora é quando os traços de enlaçam. Abordei recentemente a tradução. Ela corresponde à escrita como desenvolve Freud em sua carta 52, de traduções e retraduções sempre deixando escapar ou cercando o real como impossível. O que muda quando o chamamos de Um? É que ele não escapa mais, pode ser contado, pode entrar na conta. É o que permite o nó (cf. Vieira, M. A., “Quando “está amarrado” (ça tient)”. Opção Lacaniana n 80/81, 2019).

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