skip to Main Content

EDITORIAL CODA #04

Cleyton Andrade (EBP/AMP)
Fabrício Donizete da Costa
Comissão de Boletim do XXV EBCF
Rosana Paulino
Atlântico Vermelho, 2017
Impressão digital sobre tecido, recorte e costura.

Em sua quarta edição, o Boletim Coda chega colorido e repleto de contribuições. Em Notas e tons, com o texto “A marca do analista”, Sergio Laia nos oferece um importante aporte para uma discussão crítica acerca do racismo, a partir de uma sutil e crucial afirmação de Lacan. Cirurgicamente, extrai da última frase do Seminário …ou pior, uma espécie de advertência de que “o pior ainda está por vir”. Nos indica como a discussão sobre o racismo deve vir despida de um certo efeito de fascinação, para dar lugar ao dizer “não há relação sexual” como ponto de partida e direção norteadora. Se o racismo coloca em cena o problema em torno dos rebotalhos, o analista, apesar desse ponto de convergência, não constitui uma irmandade de segregados. O texto traz um recorte fino ao apontar que o rebotalho em jogo no racismo foi pego à revelia pelo discurso do mestre, enquanto, por outro lado, o analista sabe ser esse rebotalho numa aposta situada pela inexistência da relação sexual. Isso nos dá uma boa referência para debatermos o quanto tal discernimento é essencial, na mesma medida em que não precisa nos attraper em reconhecer um em detrimento do outro.

Por sua vez, Renata Mendonça segue com a discussão sobre o racismo através de questões que concernem ao imaginário e ao discurso do mestre, mobilizada pelo título-questão: “Na atualidade o que dizer sobre o imaginário?”. Em seu trabalho, Renata nos diz que esse imaginário não se restringe à imagem especular, ao fenótipo, à cor da pele, consequentemente não sendo o único a distribuir as cartas quando o tema é uma política identitária. Ela pergunta, em outras palavras, sobre o que resta a um corpo que o discurso do mestre pega, aprisiona, ao atribuir-lhe uma cor, ao mesmo tempo que omite que não há corpo sem cor. Por fim, traz questionamentos sobre o que ocorre com esses corpos diante do encontro com a experiência analítica. Para isso, Renata retoma as incidências clínicas da segregação em sua forma corporificada do racismo. Nos aponta uma pergunta candente: “como ler as questões imaginárias, os corpos, as questões que implicam a segregação e o racismo, de um modo que inclua os corpos pretos e questione a universalidade branca ainda existente?” Essas e outras perguntas marcam seu texto, abrindo para diálogos que, certamente, seguirão para além dos boletins Coda.

Como um bastão que se passa de mão em mão, agora sob os contornos do corpo e do imaginário, entramos nos …dizeres e suas reverberações, com contribuições de Marcelo Magnelli e Elisabete Siqueira.

Marcelo, fazendo um comentário sobre um recorte de um texto de Jésus Santiago, discorre sobre a ideia de que o imaginário é o corpo, na medida em que um corpo que goza sozinho, o faz sem o laço, aos moldes do autoerotismo freudiano. Ele aponta para o aprisionamento do corpo como não-todo, importando mais uma mutação de gozo que, na perspectiva do sinthoma como acontecimento de corpo, poderia constituir um aparelhamento. A pergunta lançada é se o aprisionamento poderia ser pensado a partir da noção de enodamento. Ao final, retoma a saída joyceana que tanto nos intriga.

Já Elisabete Siqueira comenta uma passagem de Mauricio Tarrab e trata inicialmente da paixão ocidental pelo corpo. Uma paixão de afetos ambivalentes. Nos chama a atenção para uma estética e uma ética em torno do corpo, bem como de uma política que frequentemente assume as formas de opressões mercantis, de dominação, de canibalismo, bem como de outras formas de violências simbólicas. Ela aponta como essa política de troca da dialética do desejo pelo gozo autoerótico produz sujeitos refratários à falta e ao amor.

A seguir, contamos com a rubrica Arte & Cultura, que traz duas contribuições brasileiras. O convidado mais que especial desse número é o escritor Caetano Galindo que, em seu recente livro “Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português”, destaca as múltiplas versões, as rupturas e os restos que transbordam ao aprisionamento que se supõe residir em um idioma. Diante do idioma, os idioletos, a versão singular do idioma. Valéria Beatriz Araújo, integrante da comissão de Arte & Cultura Arte, traça um diálogo instigante com o autor em seu texto “O Brasil e seus corpos falantes”, onde lança a ele a questão-provação: “como podemos pensar os usos da língua, à boa maneira, sem eliminar as diferenças?” Em sua resposta, gentilmente gravada para nos presentear, uma aposta “na saída de um apagamento a partir dos usos e acessos à linguagem e aos discursos”. Confira o vídeo. Imperdível!

Por fim, as imagens que dialogam com os trabalhos aqui expostos são de Rosana Paulino, artista negra paulistana, que também nos acompanha nesse boletim com suas sutis tensões interseccionais que palpitam em sua obra urgente e tocante.

Uma boa leitura!

Back To Top