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EDITORIAL CODA #05

Alessandra Sartorello Pecego (EBP/AMP)
Coordenadora Geral do XXV EBCF
Lygia Clark
Óculos, objetos sensoriais, 1966.
Crédito: https://portal.lygiaclark.org.br/acervo/62190/20033-jpeg

Alea jacta est!!! Posso dizer isto, de um lançamento da sorte, se é que ela existe, mas com cálculos e com trabalho. Refiro-me à sorte de alguns bons encontros com o tema do XXV EBCF: “Os corpos aprisionados pelo discurso …e seus restos”. Talvez possamos apostar mais no termo “contingência”. O encontro contingente que cada um pôde ter com o trabalho minucioso e questionador das preparatórias desse Encontro, onde a transmissão de investigações clínicas e epistêmicas abrem novas vertentes a serem exploradas nas mesas de trabalho das jornadas clínicas e das plenárias em novembro. Trabalho que tem a função de um diapasão que mostra o tom, o intervalo, a escala e o acorde de nosso trabalho, e convoca a comunidade analítica à essa composição. O resultado é visto no interesse maciço de nosso meio, sentido nas interações e conversações das preparatórias, e no fato de estarmos prestes a atingir o número máximo de inscritos que o local permite acolher. Sim, temos pouquíssimas vagas e estamos próximos a lotação máxima em São Paulo.

Nesse boletim CODA 5, em Eixos Temáticos, temos os trabalhos de Mirmila Musse e Ana Tereza de Faria Groisman. Ao discutir o Eixo 3: O real da sexuação e o dizer da análise, Mirmila parte da premissa de que a linguagem funda a sexualidade na medida em que coloca o binarismo de ser homem ou mulher e aponta que, em qualquer tempo o sujeito seguirá angustiado com a impossibilidade da relação sexual. Temos nesse texto uma orientação clínica precisa: “ocupar a função de analista é instalar no corpo, como semblante, aquilo que fala, dando lugar ao que o sujeito inventou para ocupar a impossibilidade de escrever a relação sexual”. E aponta para a questão do corpo que goza e de um dizer atrelado a pulsão. Para discutir o Eixo 4: O corpo “fora do discurso”, Ana Tereza marca o abrupto do real e a urgência decorrente diante de um “fora de discurso”, porém não fora da linguagem, e a possibilidade de advir um dizer que aponte para além do coletivo e da defesa, que aponte para uma relação absolutamente singular com o inconsciente e com o corpo. Corpo que na psicose está fora do discurso e na neurose está não-todo no discurso, retornando como acontecimento de corpo, faltoso, entremeando linguagem e carne.

Ao ler com uma lupa os dois trabalhos e tecendo novas questões e aberturas que nos colocaram em debate na segunda preparatória do dia 17 de agosto, Flávia Cera encerra suas pontuações com a seguinte questão: “poderíamos pensar que o discurso analítico seria uma forma de laço social que, por incluir um furo no saber, mantém vivo o questionamento dos universais que sempre se estabilizam aprisionando os corpos em variadas formas de segregação?” E, para mim, durante a discussão desses trabalhos, ressoou a questão do real que é nossa baliza e que faz com que o discurso analítico possa perdurar.

Em Notas e Tons, dois textos: “Do acontecimento de Um-gozo à clínica acontecimento” e “O corpo não aprisionado pelo discurso”. No primeiro, Eliane Costa Dias toca diretamente a questão dos “restos”, significante que está incluído no título do Encontro quase como uma indicação de por onde o discurso analítico pode operar. Em um texto fundamental e orientador da clínica, ela afirma que “se o Um do gozo itera, ele parece estar nos restos, nos pequenos e divinos detalhes deslocados na cena, soltos na fala, apreensíveis na estranheza, no desconforto, na tolice, na equivocidade”. No segundo texto, Bartyra Ribeiro de Castro faz coro com uma pergunta levantada na última preparatória: e o autista, como localizá-lo no discurso? Onde ele está? O texto dialoga com a inquietação ao trazer para o debate a hipótese de uma a-estrutura com a emergência de um S1 sozinho. Ao não assentir ao Outro simbólico, o autista não encarna a linguagem e não articula S1 e S2, estando, portanto, fora do discurso. Poderíamos falar de falasser? De lalíngua sem tradução simbolizável? A partir do desenvolvimento de que o Um não se remete ao Outro, novamente, estamos diante de um indicador clínico: “visar a passagem da iteração à repetição”.

Em ...dizeres e suas reverberações, o leitor encontrará os textos “O feminino em nós” e “Guarde os pensamentos sobre o meu corpo para si mesmo!” No primeiro, Cristiane Grillo desenvolve questões sobre o gozo feminino e sobre o uniano do gozo onde a lógica demonstra que não são dois sexos mas, sim, Um e seu corpo mediante a inexistência da relação sexual. Destaca uma questão contemporânea que é o abecedário dos gêneros que não dão conta de nomear esse gozo opaco e feminino. No segundo, Veridiana Marucio fala da clínica contemporânea e seus impasses: de que corpo falamos? o que a psicanálise nos ensina sobre esse corpo? a relação de adoração permanece em ter um corpo ou ser um corpo? Recorre a Joyce e seu corpo para esse debate. Vale a leitura!

Em Arte e Cultura, “Notas sobre Lygia Clark: corpo e fantasma”, texto escrito por Flávia Corpas, traz a pergunta ímpar: de que corpo se trata na obra da artista? Ao afirmar não haver separação entre sujeito e objeto, a artista propõe uma relação do espectador-autor com o objeto a-rte. Convido o leitor a se arriscar a pensar que uso Clark fez da banda de Moebius.

Eis aqui o tom de nosso quinto boletim. Espero que vocês tenham a “sorte” dessa leitura! E um até breve, aqui em São Paulo, e ainda bem …com nossos restos

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