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Editorial CODA #07

Patricia Badari (EBP/AMP)
Diretora Geral da EBP

“Os corpos aprisionados pelo discurso …e seus restos” – XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Um Encontro que é precedido por vinte e quatro outros Encontros e que conta com uma comunidade de trabalho. A EBP, suas instâncias, suas Seções, seus membros, cada colega que contribui com sua escrita, com sua elaboração em textos, podcasts, com o envio de trabalhos para a jornada clínica, discussões em preparatórias e os trabalhos em comissões. Um Encontro que só é possível porque há o trabalho daqueles que sabem “colocar o bloco na rua”, que nos instigam, nos acolhem e preparam, inclusive, toda a infraestrutura para nos receber presencialmente em novembro.

Contamos com uma comunidade de trabalho para que aconteça o XXV EBCF, embora saibamos que “todo conjunto humano comporta em seu fundamento um gozo deslocado, um não saber fundamental sobre o gozo, que corresponderia a uma identificação”[1]. É uma lógica que está no fundamento de todo laço social, uma “lógica de toda assimilação ‘humana’, precisamente na medida em que ela se coloca como assimiladora de uma barbárie”[2] possível.

Estamos advertidos de que essa lógica, suas escansões e modulação temporal estão contidas, inclusive, em um trabalho de Escola. O saber do psicanalista depende disso, ao mesmo tempo que a presença do analista está colocada em questão. É o que leremos nos textos deste último CODA.

A “presença do analista em corpo e o ato perturbando a defesa com um forçamento em direção ao real”, como nos traz Carla Fernandes. A presença do analista que “empresta o corpo para ser o suporte de uma presença a serviço do ato”, como afirma Andréa Reis. “A presença do analista que toma forma de a. Na posição de semblante de a oferece-se à ressonância da língua de cada um”, segundo Iordan Gurgel. Mas, também, podemos dizer que quando Lacan nos coloca a questão dos “corpos aprisionados pelo discurso”, ele coloca “o analista na berlinda”, como destaca Maria Josefina Sota Fuentes: “o analista estará tanto mais à altura de sustentar a psicanálise no mundo, seja aonde for, quanto mais for capaz de dar corpo, com sua presença e seu dizer, não à fratria dos corpos, à SAMCDA, mas a um objeto precioso, ausente no mercado: o vazio em causa do desejo, ali onde qualquer relação de domínio queira dele se apossar”.

“Analista: presente!” e “Clínica: presente!”. Qual “a possibilidade para se construir um corpo que prescinda do aprisionamento nas insígnias identificatórias do Outro social”? Do resto e do nó, a escrita em jogo com relação ao Um do gozo é o que nos traz Marcus André Vieira em seu texto. E mais, nos traz a precisão sobre o que é uma parte (não enumerável) e o que é um elemento (contabilizável) de um conjunto.

Do zero e do não-enumerável; o Um e o conjunto vazio, trazidos por Marcus, nos colocam em conversa com o recorte clínico trazido por Renato Vieira sobre “a contingência de um encontro e seus efeitos no campo do Outro. (…) O parceiro (deste falasser) toca uma parte de seu corpo de forma memorável, prazerosa e repulsiva”. E ainda segundo Marcus André, podemos “sempre contabilizar os orgasmos, mas nunca totalmente o gozo vivido, diferença que o que o modo de laço discursivo dito “macho” não entende. O conjunto do que posso contar de um encontro amoroso, sempre parece menor do que foi a experiência. Ela é feita de tudo o que posso contar dela e mais todo o resto que não consigo transmitir”.

Essa e muitas outras conversas se darão em novembro! Então, deixo aqui outras tantas questões colocadas neste último número de CODA, para conversarmos presencialmente em São Paulo.

“Qual a relação entre linguagem e corpo? Como favorecer, no horizonte de uma análise, que o real do sintoma seja tocado, indo além do adormecimento do sentido, da estrutura de ficção que o analisante construiu em torno do furo?”, perguntas que nos coloca Carla Fernandes. “O Há Um é distinto do atributo de uma classe, portanto, não tem nada com o universal; é o Um que comanda e cria o ser, que varre a ideia do dois da relação sexual, fazendo prevalecer a dimensão do real. Nesta direção, a via do Um-sozinho do gozo nos leva a questionar: Quais consequências podemos extrair desta mudança? Como intervir a partir do real e não mais se referenciar no desejo?”, questões que nos são endereçadas por Iordan Gurgel. “Seria possível, ao menos para o analista, despertar do sonho ao amanhecer em Baltimore?”, pergunta Maria Josefina. “Como poderíamos pensar a festa que ocorre como parte do rito em que corpos são tomados pela experiência mística?” é a questão trazida por Wilker França a partir da cultura Yorubá e dos rituais do candomblé. E “o que parece incontornável é saber o que poderia se instalar como possível tratamento dos racismos que se apresentam e seguirão se apresentando no mundo, se haveria uma solução universal para tratar desse gozo em sua pluralidade a partir de nossa ética?”, pergunta levantada por Nelson Matheus a partir da ciranda de Lia de Itamaracá.

A solução não é universal – Lia de Itamaracá nos ensina seu saber fazer singular a partir do que advém da cultura popular. E os psicanalistas? Será que estão advertidos de que há a possibilidade de constituir uma comunidade a partir de uma lógica de “identificações não segregativas”?

Boa leitura e até novembro, em São Paulo, com os corpos presentes!


[1] Laurent, É. “Racismo 2.0”. In: Lacan Cotidiano, n. 371, 2014. Disponível em: http://ampblog2006.blogspot.com/2014/02/lacan-cotidiano-n-371-portugues.html

[2] Lacan, J. “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”. In: Escritos. RJ: Zahar, 1998, p. 213.

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