EIXO 1: CAPTURAS IMAGINÁRIAS E O REAL DO CORPO
Toda realidade é suspeita, mas não por ser imaginária, como me imputam dizer, pois é bastante patente que o imaginário, tal como surge da etologia animal, é uma articulação do real.
Lacan, 1971-72, p. 167
Sabemos que a imagem é uma das formas fundamentais e decisivas de se arranjar com o corpo que se tem. No entanto, o que se vê hoje é um verdadeiro empuxo à imaginarização do mundo. O narcisismo aparece regido por ideais de saúde e beleza que prescrevem fórmulas transmitidas em escala global pelas redes sociais, produzindo um imperativo de como se deve tratar o corpo-imagem, exibido em sua plenitude, objeto da civilização do gozo, caracterizando o individualismo de massa.
Da mesma forma, a biotecnologia e os aparatos tecnológicos atingem um alcance cada vez maior com a promessa de “tudo ver”, proliferando imagens do corpo, tanto em sua forma, quanto em seu funcionamento “como remédio para a angústia contemporânea, visando a uma regulação dos gozos pela escopia dos corpos. […] Assim o corpo-máquina faz par com o corpo-imagem”[1]. A ideia é a de dar consistência ao corpo como imagem e, dele, poder tornar-se senhor. Entretanto, o corpo escapa a qualquer identificação totalizante; há sempre algo dele que permanece fora da imagem corporal, irrepresentável. Resta um corpo infamiliar, que a imagem não consegue capturar; um gozo que não se inscreve e faz obstáculo a essa diluição do ser falante na confusão imaginária. Ou seja, não se captura o gozo com imagens. Como esse real que não se inscreve retorna, hoje, no laço social? Qual a orientação para o analista diante daquele que chega capturado nessa pregnância imaginária?
Seguem alguns temas para a discussão:
- Quando o imaginário faz obstáculo à entrada em análise
- O corpo tatuado e os cortes no corpo
- Identificações imaginárias e a erosão do binarismo sexual
- O gozo que transborda o imaginário
EIXO 2: INCIDÊNCIAS DO DISCURSO DA CIÊNCIA SOBRE OS CORPOS
Trata-se de pensar a clínica psicanalítica nos tempos atuais. Se o século XX foi o século das máquinas, o século XXI é aquele em que o corpo e os limites do humano estão em questão.
Surge uma vertigem de milhares de intervenções corporais possíveis, em todos os âmbitos: das cirurgias estéticas às alterações de reparo no próprio DNA; das novas técnicas de reprodução à luta para alcançar a imortalidade; da medicalização da existência aos procedimentos de redesignação de sexo… tudo se passa em um ambiente que tornou caduca a ideia de um puro discurso da Ciência que não seja afetado, regulado e até mesmo criado a partir de injunções mercadológicas e políticas.
Assim, a Ciência não é mais capaz de apaziguar com sua verdade – basta recordarmos da fenda aberta no Outro durante a pandemia, entre os que apoiavam e os que rejeitavam a vacinação. O sujeito contemporâneo está mergulhado nessa trama de Ciência e pseudociência que impulsiona uma batalha dos discursos e o reforço das posições identitárias em detrimento do sintoma de cada um.
O convite é para que sejam encaminhados casos, tanto de psicanálise pura, quanto de psicanálise aplicada, nos quais seja possível demonstrar o ponto preciso, agudo, em que a ação do analista permitiu uma separação entre o falasser e seus discursos condicionantes. Os efeitos do mergulho da humanidade no campo das redes sociais foram rapidamente identificados como patologias de alienação e separação do Outro. Irrompe, desse modo, uma clínica em que os corpos estão cada vez mais rotulados.
Seguem alguns temas para a discussão:
- A fibromialgia como expressão de uma histeria rígida?
- O luto medicalizado e tratado como depressão
- TOC como evacuação da culpabilidade inconsciente na neurose obsessiva
- A hiperatividade como submissão ao imperativo de “todos conectados”
- A inclusão indiscriminada de crianças que rejeitam a hiperconectividade no espectro autista
EIXO 3: O REAL DA SEXUAÇÃO E O DIZER DA ANÁLISE
Para a psicanálise de orientação lacaniana, a sexuação se organiza, simbolicamente, pelo consentimento do sujeito, a partir do que lhe é atribuído pelo Outro. Porém, o que a causa “finca suas raízes no enigma do real”[2]. Não é o órgão como representante binário que faz existir a diferença sexual, pois o que possibilita a sexuação é a relação do sujeito com o gozo: “Trata-se de separar a sexuação a partir estritamente de algo que é do real”[3].
Por outro lado, o discurso do mestre contemporâneo traz a promessa da garantia de um atributo capaz de unificar uma classe. Mesmo com infinitas ofertas que prometem enlaçar o excedente pulsional ao discurso, seja por modificações corporais, performances ou nomeações sociais, algo insiste e nos chega sob a forma de angústia, desamparo, depressão ou crise.
O real da sexuação e o dizer da análise formam, portanto, um par heterogêneo que coloca em tensão o que se enlaça contingencialmente em uma análise. Como se articulam e qual é o limite dessa articulação?
Quais saídas o sujeito inventa para tratar o real do sexo?
Seguem alguns temas para a discussão:
- “Amores fluidos” e a fixidez do gozo
- Entrada na adolescência, instante de ver e empuxo a concluir
- O ideal da união sem restos e os amores loucos
- Efeitos do dizer da análise nas soluções singulares
- O (des)encontro com o Outro sexo e a identidade de gênero
EIXO 4: O CORPO “FORA DO DISCURSO”
Neste Eixo, teremos a oportunidade de esclarecer, a partir da experiência clínica, o que do corpo não é alcançado pelo discurso. Cabe aqui uma distinção entre o que Lacan assinala como “o mistério do corpo falante”[4] e o que seriam os corpos tomados pelo discurso. Uma indicação vem de seu comentário a respeito do autismo e da esquizofrenia. Se nos interessamos em saber por que haveria neles algo que “congela”, isso não significa que seus corpos não estejam imersos e, por vezes, assolados pela linguagem. No entanto, o que há de sugestivo nessa clínica, dirá, é que a linguagem, nesses casos, não parece “morder” o corpo.
Por outro lado, será uma oportunidade para examinar o que está em jogo quando nos referimos ao sinthoma como “acontecimento de corpo”. De que ordem é esse acontecimento, o qual, como constatamos na clínica, não provém de um discurso? O que há nele que antecede a qualquer articulação significante, como iteração do momento inaugural do encontro com o gozo?
Se nos interessamos pelo que do corpo se manifesta como fora do discurso, também será de interesse considerar as modalidades de gozo experimentadas como “fora do corpo”. Para Lacan, o paradigma desse gozo “fora do corpo” é o gozo fálico. Trata-se de um gozo que interroga o corpo em sua consistência imaginária, como se ali houvesse uma “vida própria” que não responde aos discursos com os quais se procura ordenar a relação com o próprio corpo.
Isso nos leva a considerar, na clínica, os momentos em que o falasser se vê diante de um corpo que tende a sair fora, de um corpo que parece colocar em questão a sua própria “consistência mental”.
Por fim, cabe lembrar que Lacan se refere à interpretação, como dizer do analista, como algo discrepante em relação aos discursos que visam a agarrar o corpo. Não é por acaso que, em relação à interpretação, ele irá evocar a dimensão oracular da palavra e o “fora do discurso” das psicoses, como balizas que permitem localizar os efeitos dos significantes sobre os corpos, para além dos efeitos de sentido.
Seguem alguns temas para a discussão:
- O corpo “fora-do-discurso” na clínica das psicoses
- Os impasses com o gozo fálico como gozo “fora do corpo”
- O corpo “fora do discurso” na clínica com os autistas
- Quando a língua não morde o corpo: o “dito esquizofrênico”
- O corpo que tende a sair fora e seu manejo em uma análise
- O sinthoma como acontecimento de corpo