#05 – AGOSTO 2024
EDITORIAL
Alessandra Sartorello Pecego (EBP/AMP)
Coordenadora Geral do XXV EBCF
Alea jacta est!!! Posso dizer isto, de um lançamento da sorte, se é que ela existe, mas com cálculos e com trabalho. Refiro-me à sorte de alguns bons encontros com o tema do XXV EBCF: “Os corpos aprisionados pelo discurso …e seus restos”. Talvez possamos apostar mais no termo “contingência”. O encontro contingente que cada um pôde ter com o trabalho minucioso e questionador das preparatórias desse Encontro, onde a transmissão de investigações clínicas e epistêmicas abrem novas vertentes a serem exploradas nas mesas de trabalho das jornadas clínicas e das plenárias em novembro. Trabalho que tem a função de um diapasão que mostra o tom, o intervalo, a escala e o acorde de nosso trabalho, e convoca a comunidade analítica à essa composição. O resultado é visto no interesse maciço de nosso meio, sentido nas interações e conversações das preparatórias, e no fato de estarmos prestes a atingir o número máximo de inscritos que o local permite acolher. Sim, temos pouquíssimas vagas e estamos próximos a lotação máxima em São Paulo.
EIXOS TEMÁTICOS
Eixo 3: O real da sexuação e o dizer da análise
Mirmila Alves Musse (EBP/AMP)
Coordenadora da Comissão Científica
A linguagem enquanto discurso instaura o laço social, e isso é semblante. O dito é outra coisa: ele funda um fato e, se quisermos, todos os fatos. É a função da fala, não ela em si, que permite acessar o inconsciente. A linguagem é uma estrutura lógica e falar dela por ela mesma é metalinguagem, ou seja, ficção. Lacan desloca esse significante: a linguagem como meta é efeito da sexualidade. Ele se pergunta: “Será que o ser falante é falante por causa de alguma coisa que sucede com a sexualidade, ou será que essa alguma coisa sucede com a sexualidade porque ele é o ser falante?”. A linguagem funda a sexualidade na medida em que coloca a problemática no binarismo do que é ser homem ou mulher.
Os valores sexuais sociais determinam, não importa em que tempo, o que é ser homem ou mulher com atributos aceitos por uma língua, mas que podem ou não serem aceitos pelo sujeito. Esses valores designam um modo…
Eixo 4: O corpo “fora do discurso”
Ana Tereza de Faria Groisman (EBP/AMP)
Integrante da Comissão Científica
A experiência analítica nos ensina que todo discurso se organiza sobre um fundo de real. O aforisma lacaniano “não há relação sexual” nos remete ao fato de que não há proporção entre os gozos, há sempre um impossível de se escrever em todo laço com a linguagem. Então, a questão que nos põe a trabalhar desde sempre é: como agir com seu ser para tocar o Um da existência?
Nosso meio de ação é a palavra e tudo que ela engendra. O silêncio, o som, o corte e o tempo, são elementos que compõem a interpretação, formas de intervir com a palavra numa tentativa de fisgar o gozo que escapa à linguagem. Segundo Tarrab, “A interpretação é necessária como resposta ao abrupto de real, uma urgência diante de um fora de discurso”. Porém, o “fora de discurso” não está fora da linguagem, e por isso pode ser apontado. Supomos que, em análise, em meio aos ditos, um dizer pode advir como “abrupto de real”.
Comentários dos eixos 3 e 4
Flávia Cêra (EBP/AMP)
Agradeço à organização do XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, à Comissão Científica, à Ana Tereza e Mirmila, por poder conversar com e sobre os desdobramentos dos eixos de trabalho do tema “Corpos aprisionados pelos discursos… e seus restos”, que, desde o começo, ressoa para mim a incidência clínica e política da prática analítica. Vou por aí nos comentários aos textos.
Começo partindo do texto da Mirmila no ponto da crise do binarismo. A crise da diferença sexual como erro comum, que designava homem ou mulher a partir do sexo biológico, o ideal universalizante que aprisiona os corpos, de que Lacan falava também no Seminário 19. Esse ideal universal passou a ser mais facilmente questionável e vem sendo feito de várias formas, desde a criação de discursos que vão dando sustentação à circulação dos corpos que escapam à norma a intervenções nos corpos que podem ou não estar inseridas em um discurso.
NOTAS E TONS
Do acontecimento de Um-gozo à clínica acontecimento
Eliane Costa Dias (EBP/AMP)
O tema do XXV Encontro Brasileiro – a relação entre os discursos e os corpos – nos provoca muitas questões, entre elas: Como a palavra afeta os corpos? Quais os efeitos desse encontro? Qual o manejo d’isso na clínica?
1. Troumatisme e acontecimento de corpo
O marco introduzido no ensino de Lacan pelo Seminário, livro 19: … ou piornos aponta que a constituição do corpo e do falasser, assim como o advento do gozo, são da ordem do acontecimento e implicam o vazio.
O mistério pelo qual um pedaço de carne vivo torna-se corpo e ‘ser’ remonta a um trauma primordial localizável no momento em que a materialidade do significante, operando fora do sentido, impacta a materialidade do organismo, produzindo um acontecimento que assinala o acontecimento de Um gozo…
O corpo não aprisionado pelo discurso
Bartyra Ribeiro de Castro (EBP/AMP)
Não há sujeito fora da linguagem, mas o autista está fora do discurso. Estas afirmativas de Lacan abrem um campo de debate sobre a estrutura autística.
No final dos anos 1990, Rosine e Robert Lefort publicaram, em A distinção do autismo, o que puderam recolher da revisita ao caso de Marie-Françoise, das leituras das autobiografias de autistas e das biografias de algumas figuras públicas, propondo o autismo como uma quarta estrutura psíquica. Distinta da neurose, da psicose e da perversão, sua principal característica seria a emergência do S1 sozinho, que não faz laço com S2, chegando a se poder pensar em uma a-estrutura.
…DIZERES E SUAS REVERBERAÇÕES
O feminino em nós
Cristiane Grillo (EBP/MG)
No livro La diferencia de los sexos no existe en el inconsciente, Miquel Bassols argumenta, seguindo Lacan, que há uma primeira lógica, a da diferença relativa entre os significantes, que funda a linguagem. O inconsciente é estruturado como linguagem, e o sujeito do inconsciente é representado por um significante para um outro significante. As diferenças relativas entre um significante e outro se desdobram nos binômios homem-mulher, hétero-homo, binário-não binário etc. O binarismo resultante da diferença entre os significantes estrutura a linguagem. Esta lógica universal mostra sua vertente segregativa, por mais (e quanto mais) que se tente escapar dela.
Guarde os pensamentos sobre o meu corpo para si mesmo! #vempterapiavctb #liberte-se
Veridiana Marucio (EBP/AMP)
Essa publicidade, encontrada nas redes sociais, mostra como está difícil de nos arranjarmos com o nosso corpo hoje em dia. Já que não podemos nos libertar do corpo que temos, pelo menos podemos fazer uma terapia para nos libertarmos da pressão social de buscar o corpo perfeito. Venha para a terapia você também, não fique de fora, e liberte-se do que você pensa que o outro pensa sobre seu corpo.
Enquanto isso, o que vemos na nossa clínica psicanalítica são casos extremos dessa dificuldade: dores intensas, anorexia, bulimia, automutilação, cicatrizes, além de problemas no sistema digestivo, no sistema respiratório, no sono, nos intestinos, na bexiga e na sexualidade.
ARTE E CULTURA
Notas sobre Lygia Clark: corpo e fantasma
Flavia Corpas
Integrante da Comissão de Arte e Cultura
A artista Lygia Clark (1920-1988) afirmava que a chave de sua pesquisa é a participação do público: “a destruição da barreira que separa o espectador da obra e de seu criador”. Algo bastante inovador à época, e talvez até hoje. Podemos dizer que ela funda uma nova concepção de arte e de obra, por ter esgarçado radicalmente seus limites, ao ponto de sua última proposição, Estruturação do Self (1976-1988), ter sido definida como estética e terapêutica. O caráter terapêutico da proposta não a exclui do campo da arte, mas, sobretudo, transforma esse campo. Trata-se de uma intensa relação entre arte e vida, o que permite que a artista promova uma dobra da arte sobre si mesma, subvertendo seu discurso, interrogando seus limites e fundando o novo.
INSCRIÇÕES
REFERÊNCIAS
PODCAST
Diretoria do Encontro: Patricia Badari (Presidente) | Niraldo de Oliveira Santos (Diretor) | Alessandra Pecego e Rômulo Ferreira da Silva (Coordenadores Gerais)
Comissão do Boletim: Coord: Gustavo Menezes (SP) e Renata Gomes Martinez (RJ) | Adriana Rodrigues (SUL) | Cleyton Andrade (NE) | Daniela Nunes Araújo (BA) | Fabrício Donizetti (SP) | Olívia Viana (MG) | Thereza de Felice (RJ)
Designer: Bruno Senna