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Arte e Cultura

Adriana Varejão
Parede com Incisões a la Fontana 3, 2002

Quando, nas reuniões de nossa comissão de Arte e Cultura, citamos o nome de Adriana Varejão como uma artista que aportaria uma boa discussão para o XXV Encontro Brasileiro, lembrei imediatamente do trabalho que fizemos sobre a obra dela nas XXIV Jornadas da EBP-RJ e do ICP-RJ em 2015. Por sua vez, Cristiana Pittella se lembrou do trabalho feito também com essa artista para as XXV Jornadas da EBP-MG em 2021.

Fomos atrás desse material e nos deparamos com uma produção interessante e atual, que mostra como o trabalho de nossa comunidade de orientação lacaniana deixa rastros de transmissão dos quais nos servimos permanentemente em nossa formação. Nos deparamos com esses restos de eventos anteriores que, retomados e rearrumados em um novo discurso, se transformam em uma nova montagem, como um movimento de caleidoscópio.

Convidamos vocês a revisitarem conosco esse material, as palavras de nossos queridos colegas, e capturar delas algo que sirva de conexão com o que nos causa, assim como depositar entre elas algo da leitura singular de cada um.

Isabel do Rêgo Barros Duarte (EBP/AMP)
Coordenadora da Comissão de Arte e Cultura


Detalhe da obra de Adriana Varejão, “Linda do Rosário”, 2004 (Óleo sobre alumínio e poliuretano). Fonte: http://inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/linda-do-rosario/

Linda do Rosário

Por Stella Maris Jimenez Gordillo[1]

 Esta obra, exposta em Inhotim, se diferencia de outras criações da arte contemporânea no que toca diretamente à sensibilidade do público, e mobiliza as mais íntimas questões que perturbam o sujeito em relação ao próprio corpo.

Em Linda do Rosário, uma surpreendente fratura nos azulejos brancos e brilhantes permite ver seu interior inquietante: vísceras, sangue e órgãos, remetem o espectador diretamente ao seu corpo real, às vísceras e órgãos desconjuntados que pululam ocultos pelo frágil véu da imagem do espelho.

Esta obra rasga o véu. De um lado, aponta para a função dos muros que, como os véus e as cortinas, assinalam que existe algo oculto atrás. Desta maneira, delata que o muro teria que ser uma isca para o olhar do público, o que aqui está sublinhado pelo brilho dos azulejos. Por outro lado, aqui, o que deveria estar oculto está exposto, e as vísceras separadas do corpo “olham” o público, produzindo uma súbita irrupção do objeto “olhar”.

Adriana Varejão denuncia que os semblantes são somente semblantes, como afirma J.-A. Miller em seu texto “O inconsciente e o corpo falante”[2]. Ela denuncia o semblante da boa forma, da perfeição imaculada, representada nesta obra pela brancura higiênica, quadriculada e geometricamente disposta dos azulejos. Por trás da boa forma, o real espreita. E ela empresta imagem a esse real, tenta imaginarizar o real, como diria Lacan em seu último ensino. O próprio belo nome, Linda do Rosário, oculta uma tragédia: a morte do casal de namorados, esmagados ao colapsar o motel em que escondiam seus amores, protegendo suas famílias do desejo que eles julgavam ilícito. A inesperada morte funcionou como o interior sangrento das tripas da sociedade.

O mundo contemporâneo, com sua obsessão por beleza, por obter corpos cada vez mais desejáveis, não estará traindo que o real do disjecta membra está mais exposto, mais exposto ao olhar do que em épocas anteriores, nas quais os semblantes não eram percebidos como tais?

São alguns dos questionamentos que esta instigante obra causa…


[1] Texto originalmente publicado em 6 de julho de 2015 para o Blog das XXIV Jornadas Clínicas da EBP-RJ e do ICP-RJ.

[2] Miller, J-A. “O inconsciente e o corpo falante”. In: Scilicet: O corpo falante – Sobre o inconsciente no século XXI. São Paulo: EBP, 2016, p. 19-32.

Comentário sobre “Carne à la Taunay” e “Carne à moda de Franz Post”

Por Manoel Barros da Motta[3]

Adriana Varejão Carne à la Taunay, 1997

Em “Carne à la Taunay”, Adriana Varejão destrói a placidez da imagem tropical, carioca, com a presença do corpo fragmentado, das vísceras humanas reduzidas a sua dimensão de horror. Beleza contra horror. É o que aparece também na tela “Carne à moda de Franz Post”. As partes do corpo tomam como assento a própria pintura clássica, as obras destes pintores europeus que retrataram por um tempo a paisagem brasileira.

Corpo fragmentado, carne sem sujeito, a tela contraria a função de “dompte regard” da pintura. Deparamo-nos com a presença do corpo mortificado, sacrificado, que se impõe ao olhar. Estas telas são diferentes das destituições do falo das obras de Louise Bourgeois e próximas das carcaças de Francis Bacon.

 

[3] Texto originalmente publicado em 14 de outubro de 2015 para o Blog das XXIV Jornadas Clínicas da EBP-RJ e do ICP-RJ.

Os links a seguir levam a dois vídeos feitos para as XXV Jornadas da EBP-MG em 2021 sobre o trabalho da artista Adriana Varejão:

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